De acordo com depoimento de Benigno Marques (diretor da Administração da Funai de Altamira) dado ao ISA, a deformação física ocasionada pela doença horrorizou o grupo, levando a um ímpeto de dispersão, sendo necessária uma incisiva atuação da Funai para evitar que aqueles que ainda não apresentavam os sintomas fugissem para a mata (onde não teriam condições de tratamento, caso adoecessem).
Ainda segundo Marques, o impacto do surto foi mais drástico pela ineficiência do convênio da Funasa com a Prefeitura de Altamira, que contratou profissionais sem experiência, os quais permitiram que índios doentes retornassem às comunidades e contaminassem os demais. Na mesma direção, Tarcísio Feitosa (membro do CIMI) apontou a má aplicação dos recursos do convênio da Funasa pela Prefeitura, mencionando a precariedade das instalações do posto de saúde no Ipixuna e dos serviços odontológicos e médicos disponibilizados no local.
Essa experiência trágica colaborou para a mobilização no grupo no sentido de constituir uma nova aldeia, o que foi possível devido a um projeto da Cooperativa Campealta, da qual participam os grupos indígenas da região (Araweté, Parakanã, Asuriní, Arara e Kararaô) - e que conta com atuação de Benigno Marques e recursos da empresa de cosméticos inglesa Bodyshop. Em outubro de 2001, houve a queimada para o primeiro roçado na aldeia nova. Atualmente, Marques comenta que os Araweté parecem estar vivendo muito bem ali, com roças férteis e amplas possibilidades de caça e pesca.
A organização política do grupo continua com seu padrão difuso. Os Araweté incorporaram, contudo, a categoria de "cacique", de modo que Tatuavi (com idade entre 30 e 35 anos) não exerce liderança interna, mas representa o grupo na relação com os brancos e no movimento indígena nacional.
O provimento de bens industrializados pela Funai continua a ser precário, sendo em grande parte complementado com recursos da Cooperativa, para a qual os Araweté vendem castanha. Entre os projetos dessa associação estão o fornecimento de óleo de castanha para a Bodyshop, um "hotel ecológico" construído no Rio Xingu e a "farmácia verde", que inclui a comercialização de fitoterápicos. A despeito da venda da castanha e de algum artesanato, a principal fonte de renda dos Araweté atualmente advém de aposentadorias.
Entre a população araweté, o domínio de conceitos e aspectos fundamentais da cultura envolvente - dinheiro, estado, propriedade, tabus sexuais, divisão do trabalho, miséria, herança escravocrata, dominação - é extremamente precário. Isso não significa que os Araweté não estejam, pouco a pouco, ganhando experiência e competência na cultura envolvente.
A convivência com os funcionários da Funai e da Funasa e suas famílias difunde a língua e a cultura regional; várias técnicas e habilidades novas vão sendo incorporadas ao repertório do grupo (natação, construção de canoas, conserto de motores, novos cultígenos); o contato com antropólogos e outros visitantes dá-lhes notícia do mundo além do Xingu; a participação em conferências promovidas pelo Cimi e em encontros indígenas dá-lhes alguma perspectiva interétnica; as viagens a Altamira para tratamento médico - perigosas e penosas como são - vão paulatinamente enriquecendo sua experiência do mundo dos brancos.
Para que esse processo se faça em condições favoráveis, é necessária a implantação de um programa consistente de ensino do português. Tal programa de ensino deve ser formulado com grande cautela e sensibilidade. Em particular, sou contrário às tentativas de se introduzirem missionários evangélicos fundamentalistas. Uma tentativa de interferência missionária se deu em 1991, quando o então administrador regional da Funai quis levar a organização Alem (Associação Lingüística Evangélica Missionária), de orientação fundamentalista, "para avaliar a situação da tribo no âmbito da educação". Tal empreitada não se efetivou naquela ocasião, mas Benigno Marques informou ao ISA que, depois de um "bem sucedido projeto de educação entre os Parakanã e Asuriní", o convênio com a associação está sendo estendido aos Araweté, mediante a contratação de uma professora, sob coordenação da ALEM.
Outra adversidade com a qual os Araweté têm se havido desde a década de 80 são as invasões de empresas madeireiras. Segundo notícias publicadas em 3/5/2001 no Jornal do Commercio (Manaus/AM) e O Liberal (Belém/PA), um indivíduo foi preso por fazer parte de um grupo de madeireiros que atuavam ilegalmente na área desde 1996. Em março de 2001 ele foi acusado de aliciar alguns Araweté, dando-lhes dinheiro e prometendo armas para que eles permitissem a retirada ilegal de madeira de suas terras. Nessa ocasião, o Ibama passou a contar com apoio da ONG ambientalista Greenpeace (entre outras) e, mediante um monitoramento com helicópteros, apreenderam grande quantidade de toras ao longo do rio Xingu, bem como apreenderam o maquinário de madeireiras.
Desde então, Benigno Marques afirma que a situação melhorou. Entretanto, em abril de 2003, outro episódio chegou aos jornais. Como publicado em O Liberal (12/04/03), um madeireiro foi flagrado pelo Ibama extraindo mogno às margens do Rio Xingu, defronte do território Araweté, de onde parte da madeira tinha sido extraída.
O cerco aos índios por agentes da sociedade nacional que desejam suas terras ou suas almas - as madeireiras e os missionários evangélicos - continua, e cada vez mais intenso. Assim, nossa sociedade, que provocou a morte de pelo menos um terço de sua população, que os apresentou de modo desordenado e irresponsável a uma quantidade de objetos não-produzíveis localmente, que os confinou em um território de onde não mais poderão sair sem pôr em risco a própria sobrevivência física e cultural tem a obrigação de assegurar aos Araweté o tempo e todas as demais condições necessárias para que eles mesmos definam os termos de seu intercâmbio conosco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário